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Quando sofremos desnecessariamente

por Bel Cesar em Espiritualidade
Atualizado em 12/05/2003 11:49:17


Segundo os ensinamentos tibetanos, os cavalos dividem-se em quatro categorias: os excelentes, que nem precisam apanhar para seguir uma ordem, pois já se movem com a sombra do chicote; os bons, que se movem com uma leve chicotada; os medíocres, que não se movem enquanto não sentirem a dor da chicotada; e finalmente, os péssimos, que esperam a dor da chicotada penetrar até o meio dos ossos para então se moverem.

Quem não se identifica com uma destas quatro categorias no modo como leva a vida para não repetir os mesmos erros que causam sofrimento? Infelizmente, muitos de nós sofrem além do necessário para aprender as lições da vida.

No entanto, se quisermos ser excelentes na arte de superar o sofrimento, teremos que remover o preconceito de que somos péssimos. Pois, o importante é aprender a estar desperto.

Estar desperto é aprender a habilidade de ser sincero consigo mesmo. Ser desperto é estar completo: libertar-se da tendência de buscar a luz e negar a sombra. Jean-Yves Leloup em seu livro “Além da Luz e da sombra” (Ed. Vozes) escreve: “O que é preciso visar, sempre, é a libertação do contrário. Um dos sinais de maturidade em nossa vida ordinária é quando os contrários aparecem como complementares. Nesta visão, não se necessitam opor anjos e demônios, mas se necessita ultrapassar uns e outros”.
No tradicional livro Bardo Thodol - O Livro Tibetano dos Mortos, há um importante ensinamento sobre como superar o julgamento de ser bom ou ruim para nos libertarmos do ciclo morrer e renascer em sofrimento: “Não olhe para nenhum dos pratos da balança. Vá além do seu karma, seja ele positivo ou negativo. Lembre-se que a Clara Luz está além das conseqüências dos seus atos”.

Esse ensinamento nos diz que sofremos, não porque somos ruins e merecemos ser punidos com as “chicotadas” da vida, mas sim porque não reconhecemos a causa verdadeira de nossa dor: estamos apegados ao sofrimento e precisamos aprender a ir além dele. Então, pergunte-se agora, com toda sinceridade: “Será que eu estou sofrendo desnecessariamente”?

A resposta será sim se nos dermos conta de que evitávamos reconhecer que estamos sofrendo neste mesmo instante. Evitamos reconhecer o sofrimento para não ter que lidar com ele, mas é ao reconhecê-lo que daremos os primeiros passos para superá-lo.

A percepção da dor nos poupa de sentirmos mais dor. Mesmo que doa, é o ato de perceber a dor que faz com que ela se dissolva. É sadio sofrer, mas apenas o necessário, o natural. O que não é sadio é negar a dor ou senti-la sem querer aceitá-la.

A sinceridade é um antivírus para as interferências interiores e exteriores. Pois quando somos sinceros não damos rodeios. Sermos diretos faz com que nossa energia se torne bem focada para vermos com clareza o que se passa dentro e fora de nós. Assim, não necessitaremos mais nos iludir para suportar uma situação difícil de ser aceita. A sinceridade nos dá coragem e abertura para lidar com qualquer situação, agradável ou desagradável. Desta forma, nos abrimos para o mundo. A falta de foco é um modo de nos protegermos das exigências do mundo, de adiarmos o modo de como será nossa participação nele.

Se estivermos sofrendo pela mesma dor há muito tempo, já será hora de nos desapegarmos dela. Será apenas necessário sentirmos a dor enquanto estivermos aprendendo com ela mais a nosso próprio respeito. Uma forma de ampliarmos a visão de nós mesmos.

A natureza da dor de uma emoção é rápida, dura pouco. Se ela continuar presente depois de um tempo prolongado é porque a estamos invocando em demasia. É melhor pararmos de invocar essa dor e abrirmo-nos para o desconhecido, perguntando-nos: “Como serei sem esta dor”?

Muitas vezes, assim que nos sentimos alegres, passamos a sentir insegurança. Quem já não disse para si mesmo a frase, “É bom demais para ser verdade”. Eis porque preferimos a dor: sentimo-nos infelizmente seguros com ela. Sofrer pode se tornar um hábito! Precisamos, então, treinar para reconhecer o nosso bem-estar. Treinar para tomar decisões baseados na alegria.

Quando nos familiarizamos com certa dor, tornamo-nos dependentes dela para nos sentirmos seguros. Se quisermos mudar, temos que começar a fazer algo diferente em nosso dia-a-dia. O poder de decisão de sair de uma dor surge com a percepção de que estamos sofrendo desnecessariamente!

Delza e Luciane de Mello escreveram um livro, “Ressaca Emocional” (Ed. Novo Milênio), sobre o motivo porque as pessoas sofrem mais que o necessário. Elas escrevem: “Ao ressaquista falta prática, falta dedicar-se a algo, falta encontrar algo que lhe toque o coração, que o motive a crescer, a ser melhor e maior. Por que as pessoas sofrem mais que o necessário? Porque elas têm medo de assumir, muitas vezes para si mesmas, o que elas realmente querem, onde desejam chegar. As pessoas sofrem porque não sabem quem são e, consequentemente, do que são capazes.”

Muitas vezes encontramos justificativas nobres para não mudar, quando, na realidade, estamos é precisando ser mais sinceros com nossa fraqueza.
Sofremos desnecessariamente porque somos inflexíveis, controladores e temos dificuldade para lidar com a imperfeição.

Quando algo que julgávamos certo e estável desaparece, como um relacionamento, um emprego ou nosso estado de saúde, sentimos um grande vazio. Podemos nos revoltar, culpar os outros ou lamentar nosso destino, mas se não quisermos sofrer desnecessariamente teremos que reconhecer que erramos ao esperar que as mudanças em nossa vida fossem previsíveis! É natural contar com um certo grau de previsibilidade para nos sentirmos seguros, mas precisamos aceitar o fato de que não podemos controlar os eventos da vida.

Podemos treinar para nos arriscarmos a escolher o desconhecido quando sentirmos curiosidade por nossa própria capacidade de atuação. Por exemplo, nos propondo: “Quero só ver como vou me oferecer o melhor nesta situação desconhecida. Estou curiosa para ver como não irei me abandonar desta vez”.


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bel
Bel Cesar é psicóloga, pratica a psicoterapia sob a perspectiva do Budismo Tibetano desde 1990. Dedica-se ao tratamento do estresse traumático com os métodos de S.E.® - Somatic Experiencing (Experiência Somática) e de EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento através de Movimentos Oculares). Desde 1991, dedica-se ao acompanhamento daqueles que enfrentam a morte. É também autora dos livros `Viagem Interior ao Tibete´ e `Morrer não se improvisa´, `O livro das Emoções´, `Mania de Sofrer´, `O sutil desequilíbrio do estresse´ em parceria com o psiquiatra Dr. Sergio Klepacz e `O Grande Amor - um objetivo de vida´ em parceria com Lama Michel Rinpoche. Todos editados pela Editora Gaia.
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